EPÍLOGO
Quando começamos a viver e deixamos de
sobreviver, as cores tornam-se mais vivas e cada dia mais palpáveis. O homem
que aprende a viver será eternamente feliz, mesmo que o eterno acabe assim que
a morte lhe beijar.
Seria mais fácil tentar
descrever o que acontece falando de mim mesma, não é? Eu me chamo Claire e toda
e qualquer informação adicional você saberá em breve; moro sozinha desde meus
vinte e três anos que foi quando me formei em Medicina e bebi a maior
quantidade de álcool possível para esquecer a amargura daquela faculdade. Estou
noiva de uma mulher que eu julgo ser a certa, mas existe algo que me incomoda e
eu não sei como te explicar... De verdade. É como se tudo que eu achasse certo
tivesse se desfeito, como se todos os meus ideais tivessem se modificado e
agora... E agora eu não sei exatamente o que eu sou e para onde vou, porquê
estou aqui e eu sei que você não tem a mínima obrigação de me falar o porquê
disso tudo, mas você poderia ao menos clarear? É que desde que eu o conheci...
As coisas mudaram.
Sim, mudaram. Você pode me
questionar sobre isso e pode achar que eu estou ficando louca, até porque eu
mesma acho isso. Juliet não me tem mais como tinha antes, Samantha sabe da
diferença e não sabe bem como lidar e ele, bem... Ele nem sabe de nada disso. É
tão injusto, é tão... Inesperado. Eu queria, de verdade, poder olhar para você
e falar que é uma história de amor mas não. Eu não posso te falar isso porque
essa coisa toda tá longe de ser uma história de amor, eu acho que isso é apenas
mais uma história de amor. Eu não sei o que essa história toda é, talvez seja
só coisa da minha cabeça ou talvez ele realmente me olhe diferente e eu sinta
isso. Que droga!
Você pode, por favor... Me
mostrar a saída?
-
Não, você não vai deixar de viajar só porque a Juliet quer assistir Dançando
com as Estrelas, Claire! - Esbravejou minha amiga tão delicada como uma rocha
de cinco toneladas.
-
Qual é o seu problema? Quer que eu fique solteira? Quer que eu te expulse do
cargo de madrinha? - Questionei sem hesitar.
Samantha sabia ser minha melhor amiga com uma mestria ímpar que só cabia
à aquela mulher. Me assistiu desde a faculdade, conseguiu o estágio no Hospital
para mim, achou o antigo terreno abandonado da minha casa... Ela
definitivamente ajudava em muitas coisas, mas onde era útil sabia ser
irritante.
-
Você precisa entender... Eu sempre assisto Dançando com as Estrelas ao lado
dela. - Pausei a fala. - E é season finale, ela vai ter um troço se souber que
eu não vou assistir depois de vinte episódios. - Findei o argumento tão válido
quanto o de uma criança.
-
Ela não pode gravar não? Pra você assistir depois. - Bufei do outro lado da
linha, explicando sem muitas palavras (ou sem nenhuma, no final) que não era
bem o episódio que era importante.
-
Falta 1 mês pro casamento. - Argumentei com algo mais sério. - 1 mês e duas
semanas. Meu casamento depende deste episódio. - Mentira atrás de mentira.
Ouvi
alguns ruídos na rua e esgueirei meu pescoço para a janela, verificando que um
caminhão de mudança se aproximava e um carro de classe média se aproximava
junto à ele. Hm... Quem sabe uma vizinha gostosa.
-
Samie, preciso desligar. Tem gente nova na área. - Não esperei que a mulher
respondesse, desligando rapidamente meu telefone e enfiando-o no bolso.
Continuei focada na rua, esperando que fosse realmente algo mais interessante
que o meu assunto inútil com Samantha.
-
Pode deixar essa caixa aqui, é aqui na porta. - Uma voz mais grossa que a de
uma mulher ecoava dentro de minha mente assim que abri a porta. Olhei para fora
meio receosa, porque nunca nenhuma voz tinha me deixado tão assustada; não que
fosse gutural e assustadora mas era... Era diferente de todas as outras. -
Isso! Valeu, cara. Valeu mesmo. - A voz voltou a me deixar receosa, mas saí
finalmente e deslizei meus saltos sobre a escadaria, temendo cair e dar um
grande show.
-
Bom, isso é tudo. Valeu! - Acenou o cara que estava sempre sorridente para o
ajudante da mudança. Esperei o caminhão partir de fato e então abri meu portão,
dando alguns passos para fora. A presença dele me incomodava profundamente, era
quase como ódio mas eu gostava, me dava palpitações.
-
Bom dia. - Cumprimentei com a voz mais rouca que o normal, pigarreando em
seguida. - Me chamo Claire. Vi que você se mudou... Agora. - Ri delicadamente,
esticando a mão direita para ele e vendo-o virar lentamente com os cabelos
lisos para mim, liberando um cheiro peculiar que não era ruim... Muito pelo
contrário, era delicioso. Pude sentir vertigens por minha pele e isso era
errado, era estranho e me fazia sentir mais ódio ainda dele.
-
Bom dia. Me chamo Trevor. - Ele esticou a mão e apertou a minha com firmeza o
suficiente para expressar a gratidão quase nula que ele tinha por meu ato de
respeito. Bufei silenciosamente e discretamente, puxando a mão e cruzando os
braços enquanto pensava.
-
Se precisar de ajuda, estou sempre aqui durante a noite. - E isso soou
profundamente errado.
-
Por que eu precisaria da sua ajuda a noite? - Ri envergonhada, tentando manter
a postura e em defesa, pisei para trás duas vezes mantendo a distância
necessária para dar uma voadora na cara dele, caso ele voltasse a ser grosseiro.
-
Não foi com essa intenção, quer dizer,... - Gaguejei e ele riu de mim, riu da
minha cara!
-
Tudo bem, faz parte. Bom, se eu precisar da sua ajuda com as caixas, eu te
chamo. Foi um prazer, Claire. - E agora ele até parecia gente, mas aquela
sensação incômoda ficava maior a cada segundo que via aquele peitoral largo e
as caixas sendo levadas para dentro, significando que ele estaria ali todos os
dias dali em diante.
-
Mas o senhor me dá muito trabalho, não é Finnigins? Eu pedi para que não fizesse esforços e você
foi ajudar seu enteado a construir o quarto do bebê! Poxa vida, você abriu
todos os pontos da sua operação. - Dei uma chamada de atenção no paciente que
mais me visitava. Talvez fosse um exemplar nítido de paciente revoltado e rebelde
que não acredita que o que Eu digo é para o bem dele e que os seis anos na
faculdade foram apenas um mero detalhe na minha formação.
-
Claire, tem visita pra você no quarto de descanso. - Olhei para trás
rapidamente, suspirando com calma e assentindo, sem precisar dar uma resposta.
-
Por favor, não volte a levantar caixas e fazer mudanças. - E o cara de mais
cedo vem na minha mente brevemente, afasto-o e volto ao cliente. - E por conta
desse episódio, aquele período de mês foi para dois meses. Não quero ver a cara
do senhor neste Hospital até o Natal, certo? - E o velho assentiu, não me
convencendo de que iria seguir e que daqui três semanas ele estaria quase em
estado de coma, sendo meu paciente novamente. Saco.
Caminhei
pelo Hospital, vendo a mulher magricela de corpo reto de costas para mim,
esperando.
-
Hey, mulher da minha vida. - Cumprimentei Juliet enquanto a tocava no quadril,
de forma carinhosa e respeitosa como sempre havia tocado-a, desde o primeiro
aperto de mão.
-
Bom dia, médica. -Cumprimentou-me depositando um longo beijo sobre meus lábios
a recém maquiados. - Vamos aproveitar que você pôde vir até aqui e... - Eu
olhei para baixo, notando que ela se desfazia o macacão que usava, era seu
favorito.
-
Não acho que isso seja certo. Por que não esperamos para fazer isso depois? -
Ela negou com a cabeça, já ficando nua enquanto ria de forma depravada, me
fazendo lembrar que eu era tão ninfomaníaca quanto ela.
-
Porque depois o fogo já terá acabado. - E eu cedi com aquele pedido tão delicioso,
tão... Juliet. Eu me sentia um homem em todos os casos e ângulos da situação.
Depois
de horas trabalhando, estava em minha casa lendo qualquer livro que fosse de
meu interesse na minha pequena estante de aquisições fresquíssimas. Suspirava
enquanto lia, mas não conseguia de fato guardar tudo que estava ali escrito,
algo me deixava nervosa, apreensiva e não era a história do livro porque há
muito eu não me recordava mais nem do nome da personagem principal.
-
Mas que mer... - Parei ao ouvir um barulho alto na casa de meu vizinho e me
levantei, correndo até uma janela primeiramente e verificando como uma espiã
dos filmes bregas que Juliet era apaixonada.
-
Sua vizinha propôs te ajudar a noite, amor? - A voz feminina vinha de dentro da
casa do novo vizinho e agora, eu descobri que ele simplesmente tinha uma
namorada. Ótimo.
-
É, ela propôs. Mas acho que não foi com essa intenção, Danna. Acho que foi
inocente. - Respirei fundo ainda ouvindo. Adorava janelas abertas!
-
Inocente? Uma mulher que tem idade para estar casada? Por favor, querido. Ela
queria ocupar a noite dela com você. - É... Não?! Eu não queria, que merda.
Continuei
pasma ouvindo o que aqueles dois falavam de mim e a cada nova palavra, me
questionava se eram minhas roupas ou minha forma de falar que acabava ajudando
às pessoas pensarem isso de mim. Eu não poderia ser tão vagabunda, poderia?
Suspirei receosa e assim que ouvi as vozes sumirem e iluminação diminuir, pude
andar até meu quarto. Eu estava cansada demais para ocupar meu tempo agora. Eu
faria algo amanhã, só amanhã.
Era
um dia comum como todos os outros, eu teria de acordar cedo e teria de me
vestir para comer um bom prato de cereal e depois lavar as roupas de cama e as
que estavam no cesto há dias por pura preguiça e que já faziam um cheiro
desnecessário e incômodo. A vida de solteira estava acabando, certo? Eu teria
de me acostumar com as neuras por limpeza da minha noiva e futura esposa,
portanto... Estava treinando... Eba?
Saí
para meu quintal pela primeira vez no mês, me dirigindo até o varal enquanto
carregava meu saco enorme e cheio de roupas úmidas, me preparando para
pendurá-las quando...
-
Danna, eu te ligo mais tarde. Prometo, gatinha... Vamos jogar muito Battlefield
mais tarde. - A voz de novo, me fazendo esquecer exatamente tudo que eu tinha
em mente até agora. Quem era Danna? Era a ruiva da noite passada? Vadia.
-
Bom dia, Trevor. - Ele pareceu surpreso quando minha voz apareceu ao fundo,
olhou para mim rapidamente e pareceu mais surpreso ainda quando notou meus
trajes.
-
Erm,.. Oi. - Eu ri, ainda pendurando as roupas.
-
Você costuma falar mal das pessoas? Digo, sua namorada. - E ele arregalou os
olhos.
-
Me desculpa, você ouviu tudo aquilo que a Danna disse? Ela quem tem mania de
falar alto e eu... - Olhei para ele, incrédula. Parecia uma moça tentando
explicar ao seu pai o porquê de ter chegado atrasada à escola.
-
Danna? Nome estranho. - Ri maldosa enquanto terminava de pendurar minhas
roupas. Verifiquei as vestes dele e uau, para um nerd ele era até gostoso...
Não, pera. Tem algo errado. Eu achei um cara gostoso? Eca. - Tenha um bom dia.
- Encerrei o assunto antes que eu saltasse o muro e o matasse minha vontade de
conhecer a anatomia masculina. Entrei e assim que fechei a porta, me senti
aliviada e pude respirar normalmente. O que diabos era aquilo? Me sentia Bella
Swan, aquela garotinha sem graça e sem noção daquele filme.. Como é mesmo o
nome? Anoitecer? Prevalecer? Ah, tanto faz!
Preciso
ligar para Samantha, ela sabe a cura. Ela
sempre sabe.